O paradoxo da refrigeração
Ares-condicionados
e outros aparelhos de refrigeração são essenciais para milhões de pessoas no
mundo. Mas, ao mesmo tempo que podem salvar vidas, tais equipamentos contribuem
para o aquecimento global. O acesso a aparelhos de refrigeração é, muitas
vezes, uma questão de vida ou morte. Não se trata simplesmente de ter um
ar-condicionado para se refrescar, mas sim de ter a possibilidade de armazenar
medicamentos e alimentos - algo a que milhões de pessoas no mundo ainda não têm
acesso.
Com a
refrigeração, é possível reduzir o desperdício de alimentos, contribuindo para
o combate à fome. E, devido à armazenagem de remédios, o resfriamento também é
vital para a saúde e o bem-estar. Em suma, trata-se de um aspecto fundamental
para se alcançar o desenvolvimento sustentável.
No entanto,
à medida que cresce o uso de aparelhos de refrigeração, também aumentam as
emissões mundo afora, contribuindo para o aquecimento global. Ao mesmo tempo,
temperaturas elevadas exigem sistemas de refrigeração cada vez mais eficientes,
resultando num círculo vicioso.
Pesquisadores
apontam que o número de aparelhos de refrigeração deverá quadruplicar para 14
bilhões em todo o mundo até 2050. Se o setor não buscar soluções sustentáveis,
as emissões deverão disparar e nos afastar para longe da meta de um aumento
máximo de 2 ºC na temperatura média global em relação aos níveis
pré-industriais, estabelecida no Acordo de Paris.
"Se a
mudança climática não fosse um problema, daria para dizer que o acesso ao
resfriamento é como o acesso a água limpa ou a saneamento", disse à DW
Mark Radka, chefe do Setor de Energia e Clima da Divisão de Meio Ambiente da
ONU.
Porém, já
que infelizmente as mudanças climáticas são um problema, garantir o acesso ao
resfriamento sem prejudicar ainda mais o planeta e sua população continua sendo
um enorme desafio.
Resfriar é
necessário
Mais de um
bilhão de pessoas, principalmente na Ásia e na África, estão em risco por falta
de acesso à refrigeração, de acordo com um novo relatório da iniciativa Energia
Sustentável para Todos (SE4ALL). As 30 cidades mais quentes do mundo ficam em
países em desenvolvimento, que são os que mais sofrem com as mudanças
climáticas.
"À
medida que as populações crescem e as temperaturas alcançam novos recordes, os
riscos sanitários e econômicos associados à falta de acesso a resfriamento
sustentável estão crescendo exponencialmente", disse à DW Rachel Kyte,
diretora e representante especial do secretário-geral da SE4ALL.
Na Índia,
por exemplo, quase 20% dos produtos de saúde que dependem de refrigeração
durante a cadeia de abastecimento, como vacinas, chegam em um estado
insatisfatório.
Além disso,
quase meio milhão de pessoas no mundo todo morrem todos os anos de doenças
transmitidas por alimentos, ou doenças causadas por alimentos contaminados. E o
resfriamento insuficiente é a principal razão por trás disso, segundo a
Organização Mundial de Saúde (OMS).
A falta de
refrigeração também aprofunda a pobreza nos países em desenvolvimento, onde os
agricultores perdem regularmente cerca de 40% de sua colheita devido ao
armazenamento inadequado, segundo o Programa Mundial de Alimentos. O mesmo
acontece com peixes, que duram apenas algumas horas sem refrigeração. Isso
impede que pequenos varejistas atinjam mercados mais lucrativos.
"Quanto
mais se consegue manter a comida refrigerada, mais longe se pode ir e maior o
valor econômico que se pode obter", explica Radka.
Falta de
acesso ao resfriamento também afeta a produtividade no trabalho e nos locais de
estudo.
Resfriar e
aquecer ao mesmo tempo
Condicionadores
de ar e refrigeradores normalmente usam gases de hidrofluorcarbonetos (HFCs),
os quais não danificam a camada de ozônio, mas causam um efeito de aquecimento
global até 23 mil vezes maior do que o dióxido de carbono (CO2).
Até 2050,
estima-se que os HFCs serão responsáveis por cerca de 12% de todo o aquecimento
global. O acordo internacional vinculativo Kigali Amendment, que entra em vigor
em janeiro de 2019, visa reduzir os HFCs em mais de 80% nos próximos 30 anos.
No entanto,
as tecnologias de refrigeração também usam uma quantidade significativa de
energia - principalmente de combustíveis fósseis - o que contribui ainda mais
para a poluição do ar. Em 20 anos, os sistemas de ar-condicionado poderão
responder por 40% do consumo de eletricidade no Sudeste Asiático.
Até meados
deste século, espera-se que a poluição do ar cause por volta de 13 mil mortes
adicionais por ano, cerca de mil delas devido a condicionadores de ar, afirma
um novo estudo sobre o atual uso do equipamento nos Estados Unidos.
"Quando ligamos o ar-condicionado do
lado de dentro para nos adaptarmos ao calor do lado de fora, criamos poluição
nas usinas que estão queimando carvão e gás", disse à DW David Abel,
principal autor do estudo. Enquanto dependermos dos combustíveis fósseis, resolveremos
o problema do calor e, ao mesmo tempo, contribuiremos para outro problema, a
poluição do ar, acrescentou.
Um mundo
sustentável e refrigerado
Quebrar o
círculo vicioso provavelmente teria que passar pela rápida redução de HFCs e de
combustíveis fósseis. Produzir dispositivos de resfriamento mais eficientes
também seria benéfico.
Aparelhos
mais eficientes podem reduzir maciçamente as emissões, independentemente da
fonte de energia, disse à DW Brian Holuj, diretor de programa da iniciativa
Unidos pela Eficiência (U4E) do Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente.
"É uma
das maneiras mais rápidas, baratas e limpas de reduzir as emissões em todo o
mundo e alcançar as metas de Paris", acrescentou.
Mas tal
transição exige que os legisladores incentivem fabricantes e compradores. A
maioria dos países poderia aumentar a eficiência de ares-condicionados em ao
menos 30% e de refrigeradores domésticos em até 60%. Sendo assim, "o
principal desafio não é a falta de tecnologia, e sim a falta de boas políticas
e conscientização", aponta Holuj.
Ainda
assim, pequenas medidas também ajudam. Manter os equipamentos de refrigeração
limpos, pintar telhados de branco para refletir a luz do sol ou criar
corredores de vento para permitir que o calor escape são pequenos truques para
impedir que o nosso planeta fique mais quente. E, claro, reduzir nosso consumo.
"Só o
fato de tomarmos consciência dessa questão já é importante", apontou
Radka. "Todos nós tendemos a pensar como indivíduos, e não sobre o que
acontece se o nosso comportamento for multiplicado por um bilhão de
pessoas."
Kyte
conclui que, para que um mundo sustentável se torne realidade, devemos ter em
mente que "o acesso à refrigeração não é um luxo, e sim um direito
humano".
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Até a próxima!
Créditos: Deutsche Welle |
www.dw.com
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